14/12/13

Os Natais de um figueirense no Brasil + Conto "O Natal daquele ano"

Os Natais de um figueirense no Brasil
Logo após a libertação dos escravos, a lavoura brasileira percebeu que não podia viver sem braços que a alavancassem. Por outro lado, os negros viam que os senhores livres, por serem livres, não trabalhavam. Bem, pensaram eles, se os livres não trabalham, agora somos livres, por que  trabalhar? Os imigrantes que vieram alavancar a lavoura cafeeira, algodoeira, foram braços europeus. Após a primeira guerra mundial, muitos julgaram que a Europa jamais se levantaria. Portugueses, alemães, espanhóis, italianos, migraram para o Brasil. Também russos, búlgaros, de grande parte da Europa, romenos, fugindo do comunismo, migraram para o Brasil. Os alemães preferiram o frio do sul, trouxeram indústrias, que deu impulso industrial ao sul do Brasil.
O menino Manoel, é filho de um português, que  após lutar por Portugal, na Primeira Guerra, veio para o Brasil. Era de Figueira da Foz. Era da linhagem dos Raposeiros The, sei lá donde saiu estes nomes! Manoel foi criado numa região da lavoura de São Paulo, o Estado mais populoso do Brasil. O pai, José Augusto Raposeiro The, saiu da lavoura e foi para a capital.
Aos 19 anos, após dar baixa do exército Manoel viveu um Natal assustador. Dirigia-se a uma festa, quando passou pela porta de um estabelecimento, quando um alcoólatra sacou de um resolver, e atirou. A bala passou rente a testa do Manoel. Ouviu, o barulho de um bater de azas  de uma abelha a voar. Na festa disse aos amigos: Hoje se festeja o nascimento do menino Jesus, e eu festejo o meu novo nascimento. Teve de explicar  o sentido de suas  palavras.
O outro Natal inesquecível  deu-se após o casamento. Nasceu-lhe o primogênito. Era estranho seu linguajar, seus  jeitos repetitivos. Nada se sabia, naquele tempo, do transtorno chamado autismo. Manoel pediu a uma comunidade religiosa,  o uso das instalações que ficava sem uso durante a semana. Nasceu então, a primeira ONG, no Brasil, para tratamento de autistas. Hoje elas estão espalhadas pelo Brasil todo. A Associação de Amigos e Pais de Autistas inspirou a criação de centenas delas. Mas, esse Natal foi triste, pois foi às vésperas dele, que o famoso neuro pediatra Antonio Lebfreve, afirmou que o primogênito ficaria perigoso na adolescência e teria que ser afastado da família e da sociedade. Esse Natal foi tão triste, mas Manoel  percebeu que seu primogênito tinha missão igual a do menino do primeiro Natal, ou seja, mudar o destino de muitos.
Manoel teve outro Natal singular. Sua irmã,  vinda do trabalho rural, estudou  depois de  casada, formou-se professora, pedagoga de prestígio, diretora de múltiplas escolas, e hoje temos uma escola com o nome de sua irmã, e uma rua na capital do Estado, com seu nome. Foi às vésperas de um Natal que Manoel presidiu a solenidade  de mais uma honra dada a família vinda de Figueira da Foz. Hoje temos a Escola e a Rua com o nome Tereza Thé de Carvalho.  Como vemos, Manoel herdou a fibra portuguesa, e o nome abrasileirado, pois em Portugal  , Manoel  é  Manuel, mas isso  não interfere  nos Natais,  o que dignifica os Natais, são os homens e mulheres, que mudam o mundo para melhor, como o infante de Belém mudou.  Amados e pacientes leitores que seu Natal  deste ano sejam Natais de felizes memórias.
Manoel  de Jesus The (Pastor da Igreja Batista no Brasil, também professor de Filosofis, 77 anos, descendente de figueirenses)
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Conto de Natal: O Natal Daquele Ano
O Francisco frequentava o terceiro ano de escolaridade com muito bom aproveitamento. Era um miúdo admirável! Já vivera razoavelmente mas, actualmente, sofria as consequências da quase indigência do pai por, no início daquele ano, ter perdido o emprego. Era um bom trabalhador, mas a oficina fechara.
Andava o miudinho muito triste e amargurado porque a fome, o frio e a tristeza eram o pão-nosso de cada dia naquela casa.
Como habitualmente, ao aproximarem-se as férias do Natal, a professora mandou que os alunos fizessem uma redacção sobre essa quadra festiva.
O Francisco debruça-se sobre o papel e, numa letra mais adulta que infantil, intitula a sua composição de APELO e escreve:
«Menino Jesus: não acredito no que tenho ouvido dizer a teu respeito, ou seja, que só dás a quem já tem, e nada dás a quem nada tem! Explico-te porquê: eu sei que são os pais a darem essas prendas e não tu, que tens mais que fazer; se fosses tu, de certeza que davas a todos e, se calhar, em primeiro lugar aos mais pobres.»
Sim, eu tenho certeza que davas a todos e, se calhar, em primeiro lugar aos mais pobres. Sim, eu tenho a certeza que seria assim, pois nunca te esqueces que também nasceste pobre e pobre morreste.
«Não venho pedir nada para mim. Quero lembrar-me que o meu pai está há um ano sem trabalho e precisa de ganhar dinheiro para nos sustentar. Por isso, não te esqueças de lhe arranjar um emprego. Eu sei que Natal quer dizer nascimento e, olha, nós também nascemos e, com certeza, não foi para que morrêssemos já, sem dar testemunho sobre a terra. Se assim fosse, como é que poderíamos dar os parabéns pelo teu aniversário?! Já agora podes ficar a saber que eu nasci no mesmo dia: nasci no Natal»
Pouco antes de as férias começarem, a professora chamou o Francisco e disse-lhe que tinha arranjado trabalho para o seu pai e, que já poderia começar a trabalhar no princípio de Janeiro do próximo ano. Foi tal a alegria dele que chorou copiosamente e, então, passou a andar tão contente, que os pais não sabiam que dizer. No entanto ele não disse porque é que andava assim.
Na véspera de Natal todos se deitaram cedo, pois a consoada consistiria em sopa e pão, por o dono da mercearia, atendendo ao dia que era, ter condescendido em acrescentar ao rol do livro da dívidas.
O Francisco não adormeceu logo. Depois de ter verificado que toda a gente estava a dormir, foi colocar o seu sapatinho à porta do quarto dos pais, com um bilhete dentro.
No dia de Natal, a mãe, que era sempre a primeira a levantar-se, ao sair do quarto tropeçou no sapato do filho. Baixou-se, pegou nele, e leu o bilhete: "Pai, a partir de Janeiro vai ter trabalho. Foi a minha professora que lho arranjou, por causa da minha redacção ao Menino Jesus. É a nossa prenda de Natal".
Com as lágrimas nos olhos, de contentamento já se vê, aquele casal entrou, pé ante pé, no quarto do filho. Ao vê-lo profundamente adormecido e a sorrir, ambos disseram: eis aqui o nosso Menino Jesus!
[Joaquim dos Santos Marinho, 2011, no site “natal.com.pt)