Os Natais de um
figueirense no Brasil
Logo após a
libertação dos escravos, a lavoura brasileira percebeu que não podia viver sem
braços que a alavancassem. Por outro lado, os negros viam que os senhores
livres, por serem livres, não trabalhavam. Bem, pensaram eles, se os livres não
trabalham, agora somos livres, por que trabalhar?
Os imigrantes que vieram alavancar a lavoura cafeeira, algodoeira, foram braços
europeus. Após a primeira guerra mundial, muitos julgaram que a Europa jamais
se levantaria. Portugueses, alemães, espanhóis, italianos, migraram para o
Brasil. Também russos, búlgaros, de grande parte da Europa, romenos, fugindo do
comunismo, migraram para o Brasil. Os alemães preferiram o frio do sul,
trouxeram indústrias, que deu impulso industrial ao sul do Brasil.
O menino Manoel,
é filho de um português, que após lutar
por Portugal, na Primeira Guerra, veio para o Brasil. Era de Figueira da Foz.
Era da linhagem dos Raposeiros The, sei lá donde saiu estes nomes! Manoel foi
criado numa região da lavoura de São Paulo, o Estado mais populoso do Brasil. O
pai, José Augusto Raposeiro The, saiu da lavoura e foi para a capital.
Aos 19 anos,
após dar baixa do exército Manoel viveu um Natal assustador. Dirigia-se a uma
festa, quando passou pela porta de um estabelecimento, quando um alcoólatra
sacou de um resolver, e atirou. A bala passou rente a testa do Manoel. Ouviu, o
barulho de um bater de azas de uma
abelha a voar. Na festa disse aos amigos: Hoje se festeja o nascimento do
menino Jesus, e eu festejo o meu novo nascimento. Teve de explicar o sentido de suas palavras.
O outro Natal
inesquecível deu-se após o casamento.
Nasceu-lhe o primogênito. Era estranho seu linguajar, seus jeitos repetitivos. Nada se sabia, naquele
tempo, do transtorno chamado autismo. Manoel pediu a uma comunidade
religiosa, o uso das instalações que
ficava sem uso durante a semana. Nasceu então, a primeira ONG, no Brasil, para
tratamento de autistas. Hoje elas estão espalhadas pelo Brasil todo. A
Associação de Amigos e Pais de Autistas inspirou a criação de centenas delas.
Mas, esse Natal foi triste, pois foi às vésperas dele, que o famoso neuro
pediatra Antonio Lebfreve, afirmou que o primogênito ficaria perigoso na
adolescência e teria que ser afastado da família e da sociedade. Esse Natal foi
tão triste, mas Manoel percebeu que seu
primogênito tinha missão igual a do menino do primeiro Natal, ou seja, mudar o
destino de muitos.
Manoel teve outro
Natal singular. Sua irmã, vinda do
trabalho rural, estudou depois de casada, formou-se professora, pedagoga de
prestígio, diretora de múltiplas escolas, e hoje temos uma escola com o nome de
sua irmã, e uma rua na capital do Estado, com seu nome. Foi às vésperas de um
Natal que Manoel presidiu a solenidade
de mais uma honra dada a família vinda de Figueira da Foz. Hoje temos a
Escola e a Rua com o nome Tereza Thé de Carvalho. Como vemos, Manoel herdou a fibra portuguesa,
e o nome abrasileirado, pois em Portugal
, Manoel é Manuel, mas isso não interfere
nos Natais, o que dignifica os
Natais, são os homens e mulheres, que mudam o mundo para melhor, como o infante
de Belém mudou. Amados e pacientes
leitores que seu Natal deste ano sejam
Natais de felizes memórias.
Manoel de Jesus The (Pastor da Igreja Batista no
Brasil, também professor de Filosofis, 77 anos, descendente de figueirenses)
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Conto de Natal: O Natal Daquele Ano
O Francisco frequentava o terceiro ano de escolaridade com muito bom
aproveitamento. Era um miúdo admirável! Já vivera razoavelmente mas,
actualmente, sofria as consequências da quase indigência do pai por, no início
daquele ano, ter perdido o emprego. Era um bom trabalhador, mas a oficina
fechara.
Andava o miudinho muito triste e amargurado porque a fome, o frio e a
tristeza eram o pão-nosso de cada dia naquela casa.
Como habitualmente, ao aproximarem-se as férias do Natal, a professora
mandou que os alunos fizessem uma redacção sobre essa quadra festiva.
O Francisco debruça-se sobre o papel e, numa letra mais adulta que
infantil, intitula a sua composição de APELO e escreve:
«Menino Jesus: não acredito no que tenho ouvido dizer a teu respeito, ou
seja, que só dás a quem já tem, e nada dás a quem nada tem! Explico-te porquê:
eu sei que são os pais a darem essas prendas e não tu, que tens mais que fazer;
se fosses tu, de certeza que davas a todos e, se calhar, em primeiro lugar aos
mais pobres.»
Sim, eu tenho certeza que davas a todos e, se calhar, em primeiro lugar aos
mais pobres. Sim, eu tenho a certeza que seria assim, pois nunca te esqueces
que também nasceste pobre e pobre morreste.
«Não venho pedir nada para mim. Quero lembrar-me que o meu pai está há um
ano sem trabalho e precisa de ganhar dinheiro para nos sustentar. Por isso, não
te esqueças de lhe arranjar um emprego. Eu sei que Natal quer dizer nascimento
e, olha, nós também nascemos e, com certeza, não foi para que morrêssemos já,
sem dar testemunho sobre a terra. Se assim fosse, como é que poderíamos dar os
parabéns pelo teu aniversário?! Já agora podes ficar a saber que eu nasci no
mesmo dia: nasci no Natal»
Pouco antes de as férias começarem, a professora chamou o Francisco e
disse-lhe que tinha arranjado trabalho para o seu pai e, que já poderia começar
a trabalhar no princípio de Janeiro do próximo ano. Foi tal a alegria dele que
chorou copiosamente e, então, passou a andar tão contente, que os pais não
sabiam que dizer. No entanto ele não disse porque é que andava assim.
Na véspera de Natal todos se deitaram cedo, pois a consoada consistiria em
sopa e pão, por o dono da mercearia, atendendo ao dia que era, ter
condescendido em acrescentar ao rol do livro da dívidas.
O Francisco não adormeceu logo. Depois de ter verificado que toda a gente
estava a dormir, foi colocar o seu sapatinho à porta do quarto dos pais, com um
bilhete dentro.
No dia de Natal, a mãe, que era sempre a primeira a levantar-se, ao sair do
quarto tropeçou no sapato do filho. Baixou-se, pegou nele, e leu o bilhete:
"Pai, a partir de Janeiro vai ter trabalho. Foi a minha professora que lho
arranjou, por causa da minha redacção ao Menino Jesus. É a nossa prenda de
Natal".
Com as lágrimas nos olhos, de contentamento já se vê, aquele casal entrou,
pé ante pé, no quarto do filho. Ao vê-lo profundamente adormecido e a sorrir,
ambos disseram: eis aqui o nosso Menino Jesus!
[Joaquim dos Santos Marinho,
2011, no site “natal.com.pt)